quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

ARTIGO SOBRE O MODELO TRADICIONAL DE TREINAMENTO EM COMBATE A INCÊNDIO

A INEFICIÊNCIA DO MODELO TRADICIONAL DE TREINAMENTO DE COMBATE A INCÊNDIO EM PÁTIO ABERTO EM CAPACITAR BOMBEIROS PARA ATUAREM EM TÁTICAS OFENSIVAS DE COMBATE A INCÊNDIOS ESTRUTURAIS


RESUMO

O presente artigo avalia, por meio de uma revisão bibliográfica, o modelo tradicional de treinamento em combate a incêndio que se desenrola em pátio aberto e como é inadequado para capacitar bombeiros para combaterem incêndios estruturais dentro das edificações sinistradas, destacando a importância do treinamento para eficiência e segurança do combate, as diferenças entre os incêndios estruturais e o que ocorre nos treinamentos em pátio aberto, o binômio segurança-realismo que envolve os treinamentos que buscam eficiência e a doutrina Compartment Fire Behavior Training (CFBT). Conclui-se que os treinamentos nos moldes da doutrina CFBT são seguros e eficientes para capacitarem os bombeiros para conhecer o comportamento do fogo em ambientes fechados, reconhecer os fenômenos que podem decorrer do comportamento extremo do fogo e aplicarem técnicas adequadas ao combate a incêndio de modo ofensivo.

PALAVRAS-CHAVE: COMBATE A INCÊNDIO. TÁTICAS OFENSIVAS. TREINAMENTO.



ABSTRACT

The present article, by means of a bibliographical revision, evaluates the traditional model of firefighting training that occurs in pen areas and how it is inadequate to train firefighters to fight structural fires in offensive tactics, emphasizing the importance of training to ensure efficiency and safety in fire control operations, the differences between structural fires and and what is found in plain area trainings, the safety-realism binomial that involves the firefight training methods that seeks efficiency and the doctrine of Compartment Fire Behavior Training (CFBT). The study realizes that the CFBT methods are safe and efficient to develop in the firefighters the skills to know the compartment fire behavior, to recognize the phenomena that may occur and to apply adequate techniques in offensive firefight operations.

KEYWORDS: FIREFIGHTING. OFENSIVE TACTICS. FIREFIGHT TRAINING.



1. INTRODUÇÃO

A fabricação de equipamentos de proteção individual, neles incluídos os de proteção respiratória, muito foi incrementada em termos tecnológicos nas últimas décadas. Com o equipamento atual o bombeiro é capaz de aproximar-se mais do fogo e do calor para combater incêndios de modo mais eficiente. Desta feita, o combate a incêndio moderno pode ser realizado a partir do interior das edificações. Com essa evolução, a doutrina de combate a incêndio passou a considerar para o combate a incêndios táticas de duas classes: defensiva e ofensiva (OLIVEIRA, 2005, p. 68 e GRIMWOOD, 2008). A primeira consiste no combate externo à edificação sinistrada e a segunda, nas operações de combate realizadas a partir do interior da edificação sinistrada.

Ocorre que o treinamento dos bombeiros não se desenvolveu no mesmo passo. Ainda hoje, no Brasil e até em países desenvolvidos como os Estados Unidos, bombeiros civis e militares são preparados com métodos de treinamentos que eram aplicados no início do século passado, quando o combate era feito exclusivamente de modo defensivo, distante do fogo e externamente à edificação sinistrada. Não se preparam os bombeiros hoje para o combate ofensivo, o que torna esse tipo de combate ineficiente e inseguro.

O presente artigo tem por escopo analisar: a importância dos treinamentos para a eficiência e segurança do combate a incêndio, sobretudo no interior de edificações; a ineficiência do modelo tradicional de treinamento em preparar bombeiros para o combate ofensivo; a necessidade de implementar realismo nos treinamentos e como isso afeta a segurança e, por fim, a doutrina de treinamento chamada de Compartment Fire Behavior Training como proposta eficiente e segura de capacitação de bombeiros para combate a incêndios estruturais de modo ofensivo.



2. A IMPORTÂNCIA DO TREINAMENTO PARA EFICIÊNCIA DO COMBATE E PARA A SEGURANÇA DOS BOMBEIROS

Os corpos de bombeiros (CBs) foram criados originalmente para combaterem incêndios. Depois, com o desenvolvimento das sociedades e a conseqüente ampliação da natureza e fontes dos riscos e ambientes, os CBs foram assumindo a tarefa de atender aos mais variados tipos de sinistros.

Ao assumirem um espectro tão largo de atividades-fim, os CBs foram forçados a desenvolver especialidades em cada área de atividade. Nesse processo, os bombeiros militares alcançaram a expertise em várias áreas de atuação. Entretanto, no combate a incêndio, razão inicial da existência dos CBs, o desenvolvimento de doutrina e técnicas estagnou por um longo período.
Esse decaimento no nível técnico concernente ao combate a incêndio não é exclusividade do Brasil. Nos EUA, assim como no Brasil e nos demais países, a gama de atividades dos corpos de bombeiros expandiu-se e também afetou a evolução do combate a incêndio. Segundo o relatório técnico TR-100 da USFA (United States Fire Administration, 2003), “essa expansão das responsabilidades dos serviços de bombeiros significa que menos tempo e energia estão disponíveis para serem focados nas habilidades de combate a incêndio e nos cenários de incêndio”.

Os bombeiros de hoje, por treinarem uma gama muito grande de atividades, treinam menos combate a incêndio e, consequentemente, acumulam menos conhecimento prático acerca de incêndios. Juntamente com isso, a diminuição das ocorrências de incêndio significa aumento na segurança preventiva, mas tem se traduzido como fonte de insegurança nas operações de combate ofensivo, pois, geram menos oportunidades para os bombeiros acumularem experiência e isso tem sido causa de ferimentos e óbitos no combate.

Um estudo da NFPA sobre morte de bombeiros em incêndios estruturais de 2002 aponta que as três maiores causas de mortes de bombeiros em incêndios são perder-se na edificação, colapso da estrutura e progressão do fogo. O mesmo estudo aponta a falta de experiência em incêndios reais como uma potencial causa das mortes de bombeiros por ferimentos graves conseqüentes do colapso da estrutura ou da progressão rápida do fogo (FAHY, 2002). No mesmo sentido vê-se um relatório técnico especial, da USFA (2003), cujo texto relata que

De 1987-2001 houve uma diminuição de 31% na quantidade de incêndios estruturais nos Estados Unidos. Como resultado desse declínio nos incêndios, os bombeiros em geral possuem menos experiência prática em incêndios que seus predecessores possuíam uma geração atrás. Quando muitos dos mais experientes oficiais aposentam-se, eles são substituídos por jovens e comparativamente menos experientes em incêndios. Como a experiência dos bombeiros de hoje em dia em combater incêndios diminui, há uma grande preocupação nos serviços de bombeiros que a inabilidade para reconhecer flashover e colapso de estruturas – e reagir com rapidez suficiente para evitar ser pego por essas duas condições letais – continuará a ferimentos e baixas aos bombeiros.
(sem destaque no original)

O chefe de bombeiros Edward Hartin (2007a) observa que “a segurança dos bombeiros nas operações de combate a incêndio melhorou minimamente nos últimos 27 anos a despeito do significante avanço tecnológico dos equipamentos de proteção individual”. No Brasil, nem sequer se chegou a fazer estudo semelhante sobre a segurança no combate.

O relatório TR-100 da USFA (2003) que estuda fatalidades de bombeiros em ocorrências e treinamentos, apresenta o seguinte como conclusão:

Os serviços de bombeiros estão diante de um desafio. Melhoras nas medidas contra incêndio, na prevenção e nas técnicas de construção tem resultado em uma diminuição no número de incêndio e em uma redução nos danos por eles causados, tanto em termos de vidas quanto de dólares. Ao mesmo tempo, entretanto, isso tem reduzido as oportunidades para que os bombeiros tenham experiência prática. Treinamento permanece a chave no desenvolvimento de serviços de atendimento bem sucedidos e seguros.
(sem destaque no original)

Some-se a isso os dizeres de Edward Hartin (2007b):

Bombeiros aprendem seu trabalho por meio de um mix de aulas teóricas e treinamentos práticos. A maioria dos treinamentos é conduzido fora do contexto (por exemplo sem fumaça ou fogo) ou em uma simulação de ambiente de incêndio (usando fumaça atóxica, por exemplo). No entanto, isso isoladamente não prepara bombeiros para atuarem sob o calor e a fumaça que eles encontram em um incêndio real ou desenvolve habilidades cruciais na tomada de decisão. Desenvolver esse tipo de expertise requer treinamento sob condições reais de incêndio.

Vê-se assim o quão importante são os treinamentos para conferir eficiência ao combate e segurança aos bombeiros.



3. O DESCOMPASSO DOS TREINAMENTOS EM PÁTIO ABERTO COM INCÊNDIOS ESTRUTURAIS E O COMBATE OFENSIVO

Quase a totalidade dos treinamentos em combate a incêndio no Brasil baseia-se na prática de armação de linhas de mangueira e combate a focos em pátios abertos. Esse tipo de treinamento é eficaz para desenvolver as habilidades de manuseio de equipamentos hidráulicos armação de linhas e operação de esguichos. A questão é que essas habilidades não são as únicas existentes e necessárias para um eficiente combate a incêndio. Na verdade, nas fases do atendimento a ocorrências de incêndio, o combate começa efetivamente após a armação das linhas.

Esse tipo de treinamento exclusivamente em pátio aberto apresenta alguns problemas sérios. O primeiro deles é que o treinamento em pátio aberto não prepara para reconhecer e agir ante aos fenômenos do comportamento do fogo em ambientes fechados.

O comportamento do fogo é completamente diferente em um foco ao ar livre e um cômodo de uma edificação. Focos ao ar livre recebem constante oxigenação e elevam na atmosfera a coluna de ar e gases superaquecida. Quando o foco está dentro de um ambiente fechado, tudo muda. A fumaça começa a ocupar a parte superior do ambiente acumulando-se de cima para baixo e irradiando energia térmica. Essa energia liberada aquece o ambiente e o torna perigoso para os bombeiros. Com o tempo, o combustível do foco sofrendo pirólise decompõe-se mais rápido do que o foco é capaz de queimar. Os gases não queimados acumulam-se na fumaça tornando-a combustível. O foco pode queimar e reduzir a quantidade de oxigênio no ambiente caso o cômodo não seja ventilado (ventilation controlled fire) fazendo com que a queima fique mais incompleta e mais combustível se acumule na fumaça que, superaquecida, pode deflagrar-se violentamente ante à entrada de ar pela abertura de um acesso. Trata-se do backdraft (ou backdraught na grafia britânica). Ou ainda, caso o cômodo seja constantemente ventilado (acessos abertos), os vapores combustíveis liberados dos materiais no ambiente em conseqüência da energia irradiada pela fumaça e os combustíveis presentes na fumaça podem entrar em ignição repentina no que chamam de flashover. Além desses dois fenômenos, em um incêndio em compartimento, os bombeiros estão sujeitos a encarar mais de 10 outros fenômenos de ignição rápida dos gases (rapid gas ignition), tais como flash fire, smoke explosion, flame over, rollover, entre outros (GRIMWOOD; DESMET, 2003, p. 67). Nada disso ocorre nos treinamentos de acordo com os moldes tradicionais e nos incêndios ao ar livre.

Sobre os incêndios em compartimentos, Shan Raffel (1999a) explana o seguinte:

O ambiente em um incêndio estrutural típico pode mudar repentinamente de o que parece relativamente estável para um inferno com temperaturas acima de 1.000º C próximo ao teto e acima de 300º C ao nível do piso. Apesar de repentinas essas mudanças podem ser antecipadas se os indicadores forem reconhecidos. A menos que o bombeiro seja capaz de “ler” os sinais que o incêndio está enviando, ele pode tornar-se uma vítima ao invés de um socorrista. Desta feita é essencial que o bombeiro tenha um sólido entendimento dos fundamentos do comportamento do fogo. Isso só pode ser alcançado dando-se ao bombeiro a oportunidade de testemunhar o desenvolvimento do incêndio em um ambiente realista, seguro, controlado e previsível. O bombeiro pode, então, ver os resultados das diferentes técnicas de combate na dinâmica do ambiente. Isso leva à compreensão das implicações das ações não apenas no fogo, mas também em ocupantes presos, outros bombeiros e nos possíveis efeitos de expansão do fogo para as áreas vizinhas.
[...]
Para que os bombeiros possam atuar de modo completo e seguro nas situações e ambientes perigosos nos quais eles são comumente colocados, eles devem acostumar-se em treinamentos, em um ambiente seguro e menos estressante, às condições reais. Isso gera confiança e permite o reconhecimento das condições que podem ameaçar-lhes a vida.

Segundo o relatório Fire-Related Firefighter Injuries in 2004 (USFA, 2008, p. 6) os bombeiros estão sujeitos a um risco cerca 15 vezes maior de ferimentos em incêndios estruturais do que em outros tipos de incêndios como em veículos e ao ar livre.

Pode-se perceber que os incêndios estruturais são bem diferentes dos que ocorrem ao ar livre, entretanto, continuamos a basear nosso treinamento quase que exclusivamente em ambientes externos, sem reproduzir as condições ambientais e do comportamento do fogo em um incêndio em compartimento. Isso causa ineficiência e insegurança no combate.

Treinar bombeiros para combate a incêndio estrutural sem que eles encarem um incêndio em compartimento e vejam na prática o que se ensina na teoria acerca do comportamento e evolução do foco e da fumaça é equivalente a mandar soldados para o combate sem que tenham disparado um tiro. É como treinar mergulhadores sem que eles mergulhem.

Outro problema do treinamento exclusivamente em pátio aberto é que o ambiente físico de uma edificação é completamente diferente do encontrado no pátio. Quando bombeiros treinados exclusivamente em pátios abertos deparam-se com ocorrências eles sentem enorme dificuldade em se adaptar às condições reais, o que só é mitigado após anos de serviço muitos incêndios enfrentados. A armação de linhas no interior de uma edificação não é feita do mesmo jeito que se faz no pátio aberto, onde se pode montar as mangueiras em linha reta. Em muitos casos não há contato visual entre todos os integrantes da guarnição; o espaço para armação das mangueiras é reduzido pelas paredes, corredores, portas e mobília; o calor é maior e a visibilidade menor; etc. Isso gera ineficiência no combate e insegurança para o bombeiro.

O treinamento exclusivamente em pátio aberto não auxilia os bombeiros a encararem as situações reais de combate ofensivo pela simples razão de que o ambiente em pátio aberto e o fogo ao ar livre em nada se parecem com o que será encontrado em um incêndio estrutural. Treinar os bombeiros exclusivamente em pátios abertos, na verdade, os prejudica, pois os condiciona a atuar em situações muitíssimo diversas daquelas que encontra em um incêndio real, reduzindo ou anulando sua capacidade de atuar com eficiência por estarem condicionados a agir de um modo que não se adequa às características do que está enfrentando.

Não se está aqui desprezando o treinamento em pátio aberto, afinal as habilidades adquiridas nos treinamentos em pátio aberto são base para o desenvolvimento das habilidades necessárias para combate a incêndio estrutural e são plenamente aplicáveis nas táticas defensivas de combate. O que se quer dizer é que o treinamento deve ir além.

O realismo no treinamento no que tange às condições físicas das edificações e o comportamento do fogo são, portanto, fundamentais tanto para a melhora na eficiência das operações de combate desenvolvidas no interior de edificações quanto para evitar fatalidades com os bombeiros nesse tipo de sinistro que podem ocorrer pelo desconhecimento e ou despreparo para lidar com incêndios dessa natureza.

Grimwood e Desmet (2003, p. 45) afirmam que

Em países como a Suécia, Reino Unido e Austrália, programas de treinamento em comportamento do fogo em compartimentos tem reduzido efetivamente a perda de vidas e ferimentos sofridos pelos bombeiros por várias formas de progresso rápido do fogo e resultantes de colapso de estrutura. (original sem destaque)

Nesses países, como também na França, o treinamento com fogo real foi introduzido exatamente para contra-atacar as mortes e ferimentos graves de bombeiros relacionadas às várias formas de progressão rápida do fogo (GRIMWOOD; DESMET, 2003).

Para suprir a falta de experiência prática, é necessário investir em treinamento. O mesmo documento retro mencionado da USFA diz que o treinamento de bombeiros realista, seguro e efetivo é essencial para preparar os serviços de bombeiros para cumprirem suas missões de preservação da vida e da propriedade (USFA, 2003).

Na Suécia, após a morte de dois bombeiros em 1982 devido a uma explosão dos gases combustíveis presentes na fumaça, desenvolveram-se duas frentes de trabalho: pesquisa científica e acadêmica acerca do comportamento do fogo e desenvolvimento de um programa de treinamento para aumentar a segurança dos bombeiros no combate a incêndio incorporando realismo nos exercícios e demonstrações práticas do comportamento do fogo. Nascia o Compartment Fire Behavior Training – CFBT, explicado em detalhes adiante.

Nesse país, a teoria da combustibilidade da fumaça tem sido há muito entendida e os métodos de treinamento prático pelos quais os bombeiros são ensinados a reconhecer, antecipar e como lidar com fenômenos de ignição dos gases remontam meados dos anos 80. Isso reduziu o número de bombeiros mortos por causa de fenômenos de combustão da fumaça de uma média de 3 a cada dois anos para zero, desde a introdução de um programa de treinamento de comportamento do fogo imbuído de realismo (CEDERHOLM apud RAFFEL, 1999b).

Na Inglaterra, em 1997, 3 bombeiros foram mortos em incidentes relacionados à ignição rápida de gases da combustão. O serviço de bombeiros britânico respondeu a isso com a atualização dos treinamentos e a implantação de um programa de CFBT (GRIMWOOD; DESMET, 2003, p. 57).

Próximo de sua conclusão, o relatório da UFSA apresenta um tópico chamado “lições aprendidas” e o inicia dizendo que “o treinamento realista dos bombeiros é essencial para garantir operações seguras em emergências reais” (2003, p.17)

Assim, vê-se o quão necessário é aprimorar os treinamentos de combate a incêndio no Brasil, de modo a inserir o realismo necessário a garantir a segurança e eficiência nas operações de combate a incêndios estruturais e como este trabalho deve estar associado a pesquisas acerca do comportamento do fogo e das técnicas de combate.


4. REALISMO E SEGURANÇA NOS TREINAMENTOS

Uma das práticas modernas em se tratando de treinamento em combate a incêndio que incorpora realismo no treinamento é o Live Fire Training (treinamento com fogo real), ou seja, treinamentos nos quais há simulacros de incêndio com fogo.

A introdução do realismo nos treinamentos, entretanto, apresenta um paradoxo. O incremento dos treinamentos com realismo é necessário para garantir a segurança dos bombeiros nas operações reais. Nesse sentido, quanto mais próximos forem os treinamentos das situações reais, melhor será o treinamento, pois o bombeiro em um incêndio real estará mais alerta ao que pode acontecer, será capaz de ler melhor os sinais que o comportamento do incêndio fornece e poderá reagir com mais firmeza por já ter experimentado na prática as técnicas que precisam ser empregadas. Por outro lado, quanto mais próximo do real forem os treinamentos, mais presentes os riscos que tornam a operação real arriscada estarão nos treinamentos tornando-os menos seguros.

O relatório TR100 (USFA, 2003) aponta que de 1987 a 2001 o índice de ferimentos resultantes de treinamentos subiu 15% enquanto o número de bombeiros no mesmo período cresceu apenas 5%. O mesmo estudo observa que o treinamento com fogo real tem sido um dos tipos de treinamento que lideram as estatísticas em causa de fatalidades.

Tão necessário quanto implementar o realismo nos treinamentos de combate a incêndio a fim de aumentar a segurança nas operações, é necessário prover meios para que os treinamentos, apesar de imbuídos de realismo, sejam seguros, pois não faz sentido que sés treine com mais realismo para evitar mortes em operação e elas ocorram nos treinamentos. Grimwood (GRIMWOOD et al. 2005) observa que assim como as baixas de bombeiros durante o atendimento a emergências são inaceitáveis e mais inaceitáveis ainda são as mortes ocorridas em treinamentos.

Os treinamentos com fogo real ocorrem de algumas formas: 1) pela queima de edificações marcadas para demolição; 2) com simuladores a gás; 3) em edificações construídas para treinamento e 4) em simuladores de incêndio construídos a partir de contêineres metálicos.

O documento TR-100 (USFA, 2003) faz uma análise dos modelos mais implementados de treinamentos com fogo real e traça algumas observações acerca do realismo e da segurança. O relatório nem aborda os treinamentos em pátio aberto, pois, evidentemente, são muitíssimo seguros mas não tem o realismo necessário.

Quanto aos treinamentos em simuladores a gás, o TR-100 aponta que

Em muitos casos, treinamentos em simuladores a gás levou a comportamentos aprendidos que tem, na verdade, um impacto negativo na segurança em ocorrências e resultaram em acidentes. Uma crítica aos simuladores a gás é que eles falham em ensinar aos bombeiros como reagir às condições do fogo, não abordam a importância de avaliar o tipo e a construção da edificação sinistrada e eficientemente “ler” as condições da fumaça.

Acerca das pistas com gás, Grimwood e Desmet (2003, p. 48) afirmam que “o uso de sistemas abastecidos com GLP não servem adequadamente para ensinar o comportamento do fogo”. O mesmo raciocínio é válido para o GNV. Apesar do fogo ser real nesses simuladores, ele não se desenvolve, não se comporta e não reage às técnicas de combate como um fogo real em compartimento.

Em alguns corpos de bombeiros nos EUA e Inglaterra e outros países da Europa, usam-se edificações abandonadas ou prestes a serem demolidas para treinamento provocando nelas um incêndio. Essa situação é diametralmente oposta às pistas com focos sólidos ao ar livre. O realismo é total, mas o controle sobre o fogo é praticamente nenhum, o que reduz a segurança a níveis perigosos.

No parecer da USFA (2003, p.13),

O uso de uma estrutura adquirida geralmente oferece o cenário mais realista em que se pode treinar bombeiros em métodos e operações de combate ao fogo. O elemento simulação nesse tipo de treinamento é mínimo. Uma vez iniciado o fogo, ele mais razoavelmente se aproxima da “coisa real” comparado a um simulador a gás.

Além de ser um treinamento economicamente inviável (a destruição da estrutura pelo fogo não permite muitas execuções com segurança) não há “realismo”, já que realismo se refere ao que é próximo ao real. Nos incêndios provocados em edificações abandonadas, o fogo é efetivamente real. Isso não é de todo bom, pois não há controle sobre o desenvolvimento do fogo, o que prejudica a segurança.

Sobre esses treinamentos, Grimwood e Desmet (2003, p. 46) observam que

Experiências anteriores têm demonstrado que treinamentos com incêndios provocados para esse fim em edificações abandonadas ou desocupadas podem frequentemente romper a tênue linha entre realismo e segurança, mesmo onde padrões e diretrizes nacionais são fielmente seguidos. Esses incêndios para treinamento também provêem uma larga variedade de situações e condições que são normalmente imprevisíveis e que podem ser difíceis de serem repetidas ou controladas a bem da uniformidade no ensino dos princípios básicos.

Em contrapartida, quanto a estruturas específicas para treinamento, eles assinalam que

Na Europa, há muito se reconhece que estruturas especialmente projetadas com otimização da carga incêndio geometricamente posicionada em um compartimento provê o mais seguro ambiente em que se pode ensinar bombeiros como incêndios em compartimentos se desenvolvem bem como demonstrar técnicas de controle e extinção do fogo. Tais instalações também se apresentam como a opção mais viável economicamente para treinar bombeiros que permitem recriar com eficiência condições reais, mas seguras. (2003, p. 46)

A formatação inicial do CFBT, desenvolvida na Suécia nos anos 80 usa instalações construídas, mas a partir de contêineres navais metálicos. Com essa modelagem, eles foram (e são) capazes de demonstrar de modo eficiente a formação, acúmulo, transporte e ignição dos gases resultantes da pirólise dos combustíveis sólidos em um compartimento, bem como técnicas de combate.

Grimwood e Desmet (2003, p. 47) fazem a seguinte observação:

É essencial lembrar que essas estruturas modulares são apenas simulacros de condições mais realistas e o fogo no treinamento nunca poderá replicar o fogo real por questões de segurança. Não há muita carga incêndio durante os treinamentos e os eventos experimentados dentro dos simuladores, em geral, ocorrem mais rapidamente no ‘mundo real’ em um ambiente compartimentado que é genuinamente desconhecido para o bombeiro. Ainda assim, os simuladores modulares são tão realistas quanto se pode querer para o treinamento de bombeiros.

Vislumbra-se então a doutrina (denominada CFBT) de treinamento em comportamento do fogo em ambientes fechados e técnicas de combate ofensivo com uso de contêineres marítimos como opção que dosa de maneira adequada segurança e realismo no treinamento e prepara bombeiros para o que enfrentarão na prática.


5. CFBT - COMPARTMENT FIRE BEHAVIOR TRAINING: TREINAMENTO COM REALISMO E SEGURANÇA

O CFBT - Compartment Fire Behavior Training (treinamento em comportamento de incêndio em compartimento) nasceu, como visto anteriormente, na Suécia em resposta à necessidade de aprimorar o treinamento dos bombeiros para melhor prepará-los para os combates realizados no interior das edificações. O acidente com 2 bombeiro em 1982 que desencadeou a o surgimento do CFBT foi investigado (como ocorre normalmente na Suécia, Inglaterra, EUA e outros países) e chegou-se à conclusão que os bombeiros não conheciam adequadamente o comportamento do fogo no interior de uma edificação e não estavam preparados para reagir aos fenômenos que podem surgir.

Para um melhor conhecimento do comportamento do fogo, os suecos implementaram um programa de pesquisas científicas. Para capacitar os bombeiros a entenderem o comportamento do fogo em interiores, a reconhecer os sinais indicativos dos fenômenos que podem ocorrer e a reagir adequadamente ante a tais fenômenos, foi implementado um programa de treinamento em simuladores construídos a partir de contêineres metálicos, o CFBT. Finalmente, para a análise e desenvolvimento de técnicas de combate os bombeiros associaram-se com o meio acadêmico nos trabalhos científicos de pesquisa.

O CFBT é uma concepção de treinamento que visa, por meio de teoria e exercícios realistas, preparar bombeiros para as situações que encontrará em um combate a incêndio estrutural. O CFBT tem sido desenvolvido e aprimorado em outros países por estudiosos (bombeiros e acadêmicos) do assunto.

Segundo Grimwood e Desmet (2003, p. 51),

O modelo sueco original de treinamento envolveu o incremento da percepção da formação, transporte e ignição dos gases combustíveis. O objetivo era demonstrar claramente como os incêndios tendem a evoluir sob variados parâmetros de ventilação, ensinando os bombeiros como agir frente às várias formas de progresso rápido do fogo e mostrando a eles o efeito prático de suas ações e omissões em um incêndio em um compartimento.

Edward Hartin, um dos modeladores da concepção atual do CFBT explica da seguinte forma: O CFBT integra tópicos relativos a comportamento do fogo, ventilação e convecção do foco em um contexto de combate a incêndio estrutural.

Hartin (2007a) acrescenta que

Operações de combate a incêndio seguras e eficientes exigem: 1) sólida compreensão de como o fogo desenvolve-se dentro de um cômodo ou edificação; 2) habilidade para “ler” os indicadores do comportamento do fogo; 3) conhecimento de como operações táticas irão influenciar o desenvolvimento do fogo e o ambiente no interior da edificação; 4) elevado nível de destreza na aplicação desses conceitos.

Geralmente os tópicos de comportamento do fogo, ventilação, táticas de combate a incêndio estruturais e treinamento com fogo real são considerados tópicos relacionados,mas independentes nos treinamentos de bombeiros.

O CFBT provê uma grade integrada para o desenvolvimento do conhecimento e das habilidades do combate a incêndio estrutural. Enquanto os programas CFBT variam em duração e conteúdo específico, eles geralmente integram os seguintes tópicos e treinamentos: comportamento do fogo (básico), evolução de um foco em compartimento, comportamento extremo do fogo, indicadores de comportamento do fogo e táticas de ventilação e extinção do fogo.

Apesar de parecer tão elementar, o básico sobre comportamento do fogo é o ponto de partida para compreensão tanto do desenvolvimento do fogo [em compartimentos] como das operações de combate ao incêndio. Entretanto, a maior diferença entre simples definições de termos e conceitos em livros e o CFBT é a direta aplicação da teoria em situações práticas e reais.

Segundo Grimwood e Desmet (2003),

Uma análise das baixas de bombeiros em incêndios estruturais mostrou erros comuns que são geralmente resultado de inexperiência ou de uma abordagem reativa. Os princípios do CFBT devem ensinar os bombeiros a serem mais proativos e antecipar possíveis eventos antes de ocorrerem. Eles devem também tornar-se mais atentos no desenvolvimento de uma abordagem tática e seus efeitos caso não adotada. [...] Tomado como um dos meios de aumentar a segurança dos bombeiros, o CFBT até então provou-se o mais seguro e efetivo método de atingir essa meta.

O manual de tática de combate a incêndio do Centro Para Gerenciamento de Crises e Emergências (GRIMWOOD; DESMET, 2003, p. 46-47) traz o seguinte acerca da utilização de contêineres para CFBT:

Os contêineres navais metálicos oferecem versatilidade, adaptabilidade e uma abordagem modular pronta na construção barata, mas eficiente para construção de “burn buildings” ou simuladores flashover. O módulo composto de compartimento de observação, janela e compartimento de ataque construído a partir de contêiner tem sido usado na Europa por mais de 20 anos para demonstrar o crescimento do fogo e os fenômenos rollover, flashover e backdraft, por permitir aos bombeiros testemunhar a formação, movimentação e ignição dos gases em ambientes extremamente próximos com a segurança como primeira preocupação. Ë desses cômodos que os bombeiros são capazes de praticar e avaliar as várias opções de técnicas de controle e extinção do fogo, oferecendo a eles uma experiência inigualável e fornecendo um elemento de confiança em relação aos incêndios estruturais. Os simuladores são também usados para ensinar técnicas de abertura de portas enquanto reconhecem externamente uma gama de condições do fogo, incluindo os focos subventilados.
...
À medida em que o programa de treinamento desenvolveu-se, os procedimentos de segurança e o design dos simuladores para CFBT avançaram associados a muita pesquisa científica. A intenção foi produzir simuladores que fossem seguros, mas eficientes em reproduzir condições realistas. Com a geometria básica dos contêineres metálicos sendo ideal para criar exercícios de ignição da fumaça que possam ser repetidos, uma abordagem universal evoluiu no design e uso dessas instalações para ensinar vários aspectos do comportamento do fogo. Como exemplo, há módulos de observação para flashover [nos quais os instruendos ficam dentro do módulo observando o fenômeno], unidades com janelas para backdraft [para que a observação possa ser feita do exterior] e módulos de combate tático onde a abordagem da porta e o avanço da equipe são praticados. As especificações de design e métodos de uso variam nos muitos tipos e ainda podem oferecer adaptações locais, enquanto permanecem conforme o modelo sueco original.

Como se vê, há um largo espectro de estruturas que pode servir de base para treinamentos e pesquisa, contudo, os relatos apontam para a modelagem sueca de treinamento com uso de contêineres marítimos (CFBT) visando preparar os bombeiros no conhecimento do comportamento extremo do fogo em compartimento e no uso de técnicas de combate adequadas.


6. CONCLUSÃO

No presente estudo foi visto como os treinamentos são importantes para conferirem eficiência para o combate a incêndio e segurança para os bombeiros, contudo, também se discutiu como o modelo tradicional de treinamento em pátio aberto não prepara os bombeiros para as operações de combate a incêndio ofensivas, mais comuns nos dias atuais devido aos avanços nos EPIs, devido às diferenças entre o ambiente e o comportamento do fogo no treinamento e as condições do ambiente e do fogo nos incêndios estruturais reais. Viu-se que uma saída é o incremento dos treinamentos com realismo. No entanto, quanto mais os treinamentos parecem-se com incêndios reais, mais os riscos de incêndios estão presentes nos treinamentos. Foi abordado que muitas das práticas de treinamento com fogo real, ou não são realistas o suficiente ou não são seguras. O modelo sueco do treinamento a partir de contêineres metálicos tem se mostrado eficiente no treinamento, pela redução no número de mortes e acidentes nos países onde foi implementado e, ao mesmo tempo, seguro, pelo baixo índice de acidentes relatados ao longo de mais de 20 anos de aplicação.

Conclui-se que a modelagem do CFBT de treinar os bombeiros para analisar o comportamento do fogo em recintos fechados e em técnicas de combate é algo a ser buscado nos treinamentos de combate a incêndio para somar-se aos treinamentos em pátio aberto.



REFERÊNCIAS

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- GRIMWOOD, Paul; DESMET, Koen. Tactical Firefighting: a comprehensive guide to compartment firefighting and live fire training. Londres: CEMAC, jan, 2003.

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- GRIMWOOD, Paul. Euro Firefighter. Inglaterra: Jeremy Mills Publishing. 2008

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- OLIVEIRA, Marcos de. Manual de estratégias, táticas e técnicas de combate a incêndio estrutural. Florianópolis: Editograf, 2005.

- RAFFEL, Shan. Compartment Fire Training in Australia. Austrália, 1999. Disponível em . Acesso em: 16 jul. 2009.

- ______. Realistic hot fire training to deal safely… Austrália: Fire Austrália Journal, 1999. disponível em <>. Acesso em: 15 jul. 2009.

- UNITED STATES FIRE ADMINISTRATION. Special Report: Trends and Hazards in Firefighter Training. Special Report Series, TR-100. Mai. 2003. Disponível em Acesso em: 16 jul. 2009.

- ______. Fire-Related firefighter injuries in 2004. Fev. 2008. Disponível em: Acesso em: 20 jul. 2009.

sábado, 27 de junho de 2009

COMBATENDO EM PROL DO COMBATE

Por: Benício Ferrari Júnior

Combate a incêndio no Brasil tem sido uma área de atuação relegada.

As técnicas e a doutrina no Brasil evoluíram muito pouco durante muito tempo. Por décadas a fio o treinamento de combate a incêndio foi focado no “bomba-armar”. Há muito se percebeu que havia desorganização, afobação e excesso de água nas atuações frente a incêndios. Isso era combatido nas explanações e condenado nas instruções. A grande questão é que apenas os sintomas foram tratados sem que as causas fossem enfrentadas e resolvidas.

Não sei se isso é causa ou conseqüência, mas até poucos anos atrás não era possível encontrar cursos realmente de especialização em combate a incêndio. O que estava, e ainda está, em voga é Busca e Salvamento e Atendimento Preospitalar (já de acordo com o novo acordo da língua portuguesa). Nessas áreas não faltam cursos.

As guarnições de combate a incêndio eram – e são em muitos lugares – formadas pelo “resto” da tropa, por aqueles que não tem curso algum ou que sobraram na composição das demais guarnições.

Cheguei a presenciar situações em quartéis nos quais só o efetivo da guarnição de incêndio tira ronda na madrugada.

Combate a incêndio não é, definitivamente, a menina dos olhos das Corporações de bombeiros aqui no Brasil.


“Na minha época...”

Cursei o CFO em uma Academia de Bombeiro em 1998-2000 e lá fui treinado em combate a incêndio praticamente do mesmo jeito que se fazia desde há várias décadas: focando o “bomba-armar”.

Não culpo a Academia na qual me formei ou muito menos meus instrutores à época. Eles trabalharam com o que tinham à mão. A internet era algo muito restrito e incipiente no Brasil, de modo que o contato com as novas tecnologias era muito limitado. Até mesmo as mídias para divulgação eram de pouca expressão (usava-se primordialmente o disquete). A compra de livros estrangeiros era, portanto, muito difícil.

Enquanto cadete na Academia de Bombeiro, durante os serviços que tirávamos junto aos Carros de combate a Incêndio, já pude notar que o treinamento era muito diferente da prática. Eu percebia que na prática não se usava o “bomba-armar” e achava isso muito estranho, mas não podia julgar se o problema era que treinávamos algo que não se aplicava na prática ou se não aplicávamos na prática algo que deveríamos aplicar. Eu não era capaz de discernir se o problema estava na prática ou no treinamento.

Outro problema que percebia era a afobação que tomava conta da guarnição nos combates a incêndio bem como o excesso de água que se usava no combate (dizia-se que o incêndio era extinto por alagamento).
Nas instruções discutíamos o excesso de água e enxergávamos que era um erro. Na prática, continuávamos a usar apenas esguichos que não permitiam o fechamento rápido.

Nas instruções criticávamos a afobação, mas era o que se instalava em uma ocorrência real.

Depois de formado, em meados de janeiro de 2001, em meu primeiro serviço como Chefe de Operações eu fiz exatamente o que fui treinado para fazer: corri de um lado para outro dando ordens e liderei um alagamento no apartamento cuja dispensava queimava violentamente.

A atuação não foi das melhores (para ser bem generoso), mas descobri uma coisa: incêndio era minha área de afinidade. Até então, como todos os que se destacavam operacionalmente no CFO, minha área preferida era Busca e Salvamento, mas nos primeiros serviços, nos primeiros incêndios, percebi que incêndio era o que eu gostava de enfrentar.


Combate a incêndio é fogo!

Dali em diante passei a erguer o estandarte do combate a incêndio. Comecei a batalhar por essa área de atividade e a brigar para que ela fosse reconhecida como uma atividade técnica. Até então, o incêndio era visto como simples, como coisa que qualquer um podia fazer. Dizia-se que combater incêndio “era só jogar água”.

Mesmo ainda com pouco embasamento teórico e pouca experiência prática, comecei a apregoar a todos, inclusive aos componentes das guarnições de combate a incêndio, que incêndio é uma atividade técnica; que até os civis podem jogar água; que se não atuarmos com técnica não fazemos mais do que quaisquer outros (quando se espera que sejamos) e coisas do tipo.

Em 2002 fui um dos instrutores responsáveis pela disciplina de combate a incêndio nos cursos de formação de soldados e sargentos. Nas aulas teóricas enfoquei a tecnicidade da disciplina, porém, nas aulas práticas, fiquei restrito ao que eu conhecia: “bomba-armar”.

Na teoria pude avançar um pouco. Inseri conceitos outrora não debatidos como flashover backdraft, BLEVE, combustibilidade dos gases, entre outros, mas com uma carga horária de 40h para teoria e prática não foi possível aprofundar nada e nem sequer comentar tudo o que é mais importante.

Com a parte da carga horária de 40h que ficou destinada à prática, tive que fazer algumas adaptações por ter aprendido bomba-armar com 3 linhas de ataque e em minha Corporação os divisores eram de 2 saídas, mas não pude avançar muito além da maneabilidade com linhas de mangueira. Atribuo isso a algumas razões.

Primeiramente, eu mesmo não conhecia nada muito além disso em termos de técnica. Treinei avançando pouco além do treinamento que recebi. Somo a isso o fato de que a carga horária exígua não me permitia ensinar muito além do básico, ou seja, armar as linhas de mangueira e saber operá-las.

Em segundo lugar, a falta de equipamentos na área de incêndio era gritante em minha Corporação, como em tantas outras, já que o incêndio era uma atividade relegada. Não possuíamos sequer luvas e capas de aproximação para que os alunos treinassem. Capacetes, balaclavas e aparelhos de respiração autônomos eram fotografias no manual. Os esguichos que possuíamos só permitiam a regulação do jato de água, mas não permitiam abertura e fechamento rápido para operar com “pulsos” de água. Considero ainda relevante o fato de que não possuíamos instalações de treinamento que permitissem a instrução de técnicas de combate.

Um dos resultados foi que os alunos só aprenderam a dispor as linhas de mangueira, operar o esguicho, avançar, recuar e demais comandos de maneabilidade com linhas de mangueira. Os alunos aprenderam técnicas relativas ao estabelecimento que é uma das fases das operações de socorro, sem que tenham aprendido técnicas de combate. Esse resultado foi previsível à época.

Havia outro resultado desse tipo de treinamento. Um que não foi percebido à época e nem foi percebido facilmente. Para entendê-lo é preciso analisar a própria dinâmica do treinamento tal como era feito.


Treinamento focado no “bomba-armar”

O treinamento focado no “bomba-armar” é feito com a guarnição com funções previamente divididas desenrolando as mangueiras e as conectando umas às outras, ao divisor, à viatura e aos esguichos. Cobra-se agilidade, velocidade. A avaliação é balizada pelo número de acertos e erros na montagem e, sobretudo, pelo tempo.

Uma vez acionado, o cronômetro tinha a contagem interrompida apenas quando a água surgisse na ponta das linhas. Isso tem um impacto.

Esse impacto foi o outro resultado que eu percebi depois de formar as primeiras turmas e depois de certo esforço. O esforço foi empregado para vencer as minhas dificuldades em perceber que havia algo errado já que eu não conhecia outro modelo e, posteriormente, para externar meus questionamentos ao modelo preexistente.

Comecei a pensar sobre os erros mais gritantes na atuação das guarnições nos combates a incêndios: afobação – traduzida em uma pressa desmesurada e muita correria para todos os lados – e excesso de água. Analisando, percebi que a resposta que gostaríamos que as guarnições dessem em uma ocorrência era agir com energia, mas com calma, com consciência e técnica e critério no uso de água (apenas para resumir o assunto).

Ao mesmo tempo em que imaginei que para obter uma resposta diferente deveríamos mudar algo nos treinamentos, tive um insight e vi que os treinamentos eram a causa do problema.
Colocando as coisas como as faço pode parecer óbvio, e hoje até é, mas à época não foi nada óbvio perceber que a razão do atabalhoamento e do excesso de água residia principalmente nos treinamentos.

Nos treinamentos os instruendos só corriam o tempo todo. Tudo o que tinham que fazer precisava ser feito o mais rápido possível para que obtivessem a satisfação do instrutor e uma nota melhor. Treinando assim os bombeiros são condicionados a nada diferente de correr feito loucos em uma ocorrência. Eles fazem o que são condicionados a fazer. Não é uma atitude consciente – sei bem disso por experiência própria, já que ocorreu isso comigo, mas é uma atitude recorrente.

Nos treinamentos há muita gritaria e barulho para simular o estresse de uma ocorrência, mas o aluno é cobrado e exigido se responde com calma à gritaria do instrutor.

Nos treinamentos focados em “bomba-armar”, geralmente usa-se água de um hidrante, ou seja, fluxo constante de água sem reservas. Além disso, não se discute o que fazer com a água, mas se foca muito mais em como guarnecer a mangueira, segurar o esguicho e progredir ou recuar. Isso não ensina o instruendo a poupar água, ou até mesmo a decidir se vai ou não jogar água. Na cabeça de quem treina realmente fica gravado que combate a incêndio é sinônimo de jogar água, pois a imagem que o bombeiro tem de seus treinamentos em combate a incêndio sempre envolvem jogar água (além da correria).


Desarmando a “bomba”

Diante dessa agora óbvia constatação e já dispondo de maior acesso a literaturas estrangeiras e artigos publicados na internet, conversei com colegas a respeito de tirar o foco dos treinamentos do “bomba-armar” e mudar a própria filosofia do treinamento de combate a incêndio. O bomba-armar é interessante no que tange ao estabelecimento das linhas de combate, mas o aluno deve entender que ele é prévio ao combate e não pode ser entendido como sinônimo do combate.

Aplicando avaliações aos alunos de 2002, foi possível documentar e mostrar aos superiores que era sentida a falta de uma maior carga horária na disciplina de combate a incêndio, com isso, nas turmas de formação seguintes (a partir de 2005) foi possível estender a carga horária, que passou para 80h para os cursos de formação de soldados em 2006.

Com a aquisição de contêineres, foi possível criar exercícios práticos – que chamamos de oficinas – que enfocassem o combate e não apenas o estabelecimento. Criamos oficinas nas quais o sucesso consistia exatamente em não jogar água. Pudemos demonstrar e treinar técnicas de ventilação forçada hidráulica e combate indireto.

Não mais exigimos correria sem propósito dos alunos e passamos a ensinar conceitos como dimensionamento da cena e gerenciamento de risco.

Continuamos com o barulho e gritaria nas oficinas que simulavam ocorrências, mas, ao contrário de outrora, a gritaria e barulho para simular estresse não eram constantes. Passamos a ensinar os alunos a controlar o estresse, ansiedade e adrenalina e passamos a aumentar o nível do estresse gradativamente para que os alunos pudessem adaptar-se. A disciplina passou a culminar em simulados de ocorrências com fogo real (não confinado ou com focos bem pequenos) que tinham, dentre ouros, o objetivo de propiciar ao aluno a oportunidade de treinar a atuação e o emprego das técnicas sob estresse. Ao contrário de antes, a conduta requerida e reforçada era a de calma diante da pressão dos instrutores.

Os treinamentos foram um sucesso e o nível técnico dos alunos ficou notável. Depois de alguns meses os sargentos chefes de guarnições passaram a disputar as equipes compostas pelos recém formados.

A postura e a atitude dos bombeiros nas ocorrências de combate a incêndio mudou e a atuação começou a ser quase a desejada, patamar que foi alcançado com um pouco de experiência prática adquirida pelos recém formados (o que é absolutamente normal).

Novamente tendo documentado uma avaliação da disciplina aplicada aos alunos, constatamos a percepção dos alunos de que a carga horária para a disciplina ainda estava baixa e conseguimos aumenta-la para 120h passando os tópicos referentes a sistemas preventivos para outra disciplina separada.

Com a aquisição de esguichos com regulagem e com válvula de fechamento rápido (alavanca) foi possível pesquisar, treinar e ensinar técnicas e táticas de combate com uso mais racional de água e até mesmo resfriamento dos gases combustíveis.

Também alteramos a concepção do bomba-armar, pois, na doutrina pretérita de minha Corporação, as tarefas na montagem do bomba-armar eram divididas entre 8 elementos de uma guarnição ideal, quando, na prática, as guarnições possuíam muitas vezes 4 incluindo o condutor-operador. Estabelecemos um protocolo de atendimento para a rotina desde a assunção do serviço até o momento em que se esbarra nas variáveis táticas. Esse protocolo já foi adaptado para a realidade de guarnições multifuncionais e com pouco efetivo. Nesse protocolo, as tarefas vão além de quantas mangueiras devem ser carregadas. Incluem-se também assunção de comando, gerenciamento de risco, dimensionamento da cena e outras.

Nitidamente alcançamos um patamar mais alto no que diz respeito ao combate a incêndio. Porém ainda há muito a subir.


O próximo e necessário degrau

Já disse e faço questão de repetir: não culpo meus instrutores ou os que me antecederam em minha Corporação na trincheira do combate a incêndio. Eles fizeram muito com as ferramentas de que dispunham. Relembro que para eles não havia livros importados, internet, Amazon.com, Google, blogs, etc. Creio que eles fizeram muito mais do que eu teria feito em seu tempo.

Hoje não temos justificativa para não ensinar o melhor e mais moderno aos nossos bombeiros. A informação está disponível aos terabites sob o clicar de um link. Hoje nosso desafio não é acessar o que há de mais novo. Nosso maior desafio é filtrar o excesso de informação.

Hoje já é possível encontrar cursos de especialização em combate a incêndio em outros corpos de bombeiro do Brasil (ainda não pude participar de qualquer deles para comentar) e bombeiros entendendo o combate a incêndio como uma atividade técnica.

Nosso treinamento alcançou melhores patamares, mas é necessário que avancemos ainda mais.

O exército romano, considerado como um dos mais disciplinados e vitoriosos em combate tinham uma rígida filosofia de treinamento. Para eles, os treinamentos eram tão próximos do real que eram tidos como guerras sem sangue. Isso fazia com que as guerras não fossem para eles mais que exercícios sangrentos.

Nossos treinamentos devem parecer-se mais com a realidade, mais com o que encontramos em situações reais. O próximo passo que devemos dar é justamente em direção ao realismo do treinamento. Treinar bombeiros em “faz-de-conta” não os deixa aptos a cumprir de modo eficiente sua missão de salvar vidas e riquezas. Pior que isso, mandá-los atender ocorrências para os quais não foram preparados pode causar-lhes a morte.

Shan Raffel diz que pelo mundo afora há concordância de que combater incêndios é um trabalho perigoso. Mesmo assim, em algumas partes do mundo bombeiros conduzem operações de combate a incêndio em situações de emergência que ameaçam a vida sem que nunca tenham tido a oportunidade de observara o desenvolvimento do fogo em um cômodo, de maneira segura e com menos estresse.

Graças a Deus já avançamos muito nesse sentido. Como disse anteriormente, o ápice da disciplina de combate a incêndio estrutural são ocorrências simuladas nas quais tentamos reproduzir o estresse e as dificuldades de uma situação real. Transcreverei abaixo trechos de um email que recebi de um bombeiro que foi meu aluno no curso de formação. Cerca de um mês e meio depois de formado, o soldado foi atender uma ocorrência de incêndio de grande vulto no centro da capital. Eu estive lá, mesmo de folga, para auxiliar na coordenação do combate. Eis algo da mensagem enviada:

Após este sinistro pude refletir e estou mais preparado para dar um feed back sobre o simulado que ocorreu na disciplina do senhor.

O simulado foi de grande valia. No momento em que caminhávamos para a ocorrência me passava tudo pela cabeça, as lembranças dos treinamentos; como por exemplo: O que solicitar durante o deslocamento, conversa de quem iria ficar à frente das linhas, os cuidados que deveríamos tomar, as informações que tínhamos que passar para o responsável e tudo isso se arrumando ao mesmo tempo na viatura.

As dificuldades impostas durante o simulado nada ficaram devendo ao que aconteceu durante a ocorrência. Até mesmo umas coisas que durante o curso pareciam sem justificativa, como populares atrapalhando a montagem de linhas e dando ordens aos AL SD [ele se refere à figuração dos simulados], e pode ser visto na real, durante o incidente.

Até a bandinha [aqui ele se refere a um grupo de apoio responsável por bater instrumentos de percussão para estressar e atrapalhar as comunicações], que só fazia barulho no simulado fez sentido pra mim. Alguns companheiros diziam: "pra que essa banda, até parece que na ocorrência vai ter isso" "até parece que na hora as pessoas vão atrapalhar". Realmente atrapalham e se você ouvir te dão ordem e tudo mais.

Umas das coisas que mais gosto é de fogo, foi uma experiência muito boa ver a mudança da cor da fumaça enquanto combatíamos, ver e fazer as aberturas para a saída da fumaça e resfriamento do ambiente, ver o jato de água se evaporando antes de chegar ao foco, tudo isto visto em sala de aula. Somente a pressão da mangueira a qual não havia conhecimento, pois a estrutura não possibilitava, pois ligávamos as nossas linhas nos hidrantes que apresentam pouco pressão. Realmente o corpo deve e tem que ficar inclinado e sendo escorado por um auxiliar, assim como treinávamos com as mangueiras vazias ou com pouca pressão.

Uma coisa eu tinha muito em mente, que era a diferença que ao fim do simulado nós podíamos parar, pensar o que houve, sentar e conversar; mas na vida real, ao final da ocorrência nós continuamos sendo observado por populares, repórteres que irão nos avaliar toda atuação. No simulado é a nota (ou melhor apto ou inapto) na vida real são nossas carreiras julgadas por pessoas que nem sabem o quanto é difícil estar em uma situação daquela.

Por tudo que pude analisar após o incêndio, desde do momento da chegada até o fim do combate é que o simulado foi o ponto alto da disciplina e que se perde para a situação real, é muito pouco. Mesmo após esse tempo passado fico analisando o que poderia ter na ocorrência que não tinha no simulado e a única coisa que consigo ver que não houve no simulado, até mesmo por questões que acho dificílima, é que na vida real o esforço mental, de deslocamento até o local e o esforço físico foi muito grande. O desgaste que apresentei logo ao chegar ao quartel foi enorme em comparação ao simulado.

(destaquei)


Considero esse feed back muito importante. Ele é sinal de que avançamos na direção certa, mas também que falta muito a ser alcançado. Veja-se que muito do que o bombeiro encontrou na prática ele viu apenas “em sala de aula”. Pudemos proporcionar a ele muito do que ocorre em uma ocorrência, mas quase nada acerca das peculiaridades de um incêndio estrutural.



Incêndio em compartimento X incêndio ao ar livre

Em muitos treinamentos o fogo é um mero detalhe. Em outros, como os nossos, há fogo, mas não há “incêndio em compartimento” (termo que estou usando como tradução do compartment fire por falta de outro mais adequado).

Focos ao ar livre recebem constante oxigenação e elevam na atmosfera a coluna de ar e gases superaquecida. Quando o foco está dentro de um ambiente fechado, tudo muda. A fumaça começa a ocupar a parte superior do ambiente acumulando-se de cima para baixo e irradiando energia térmica. Essa energia liberada aquece o ambiente e o torna perigoso para os bombeiros. Com o tempo, o combustível do foco sofrendo pirólise decompõe-se mais rápido do que o foco é capaz de queimar. Os gases não queimados acumulam-se na fumaça tornando-a combustível.

O foco pode queimar e reduzir a quantidade de oxigênio no ambiente caso o cômodo não seja ventilado (ventilation controlled fire) fazendo com que a queima fique mais incompleta e mais combustível se acumule na fumaça que, superaquecida, pode deflagrar-se violentamente ante à entrada de ar pela abertura de um acesso. Trata-se do backdraft.

Ou ainda, caso o cômodo seja constantemente ventilado (acessos abertos) os vapores combustíveis liberados dos materiais no ambiente em conseqüência da energia irradiada pela fumaça e os combustíveis presentes na fumaça podem entrar em ignição repentina no que chamam de flashover.

Além desses dois fenômenos, em um incêndio em compartimento, os bombeiros estão sujeitos a encarar mais de 10 outros fenômenos de ignição rápida dos gases (rapid gas ignition). Nada disso ocorre em nossos treinamentos e nos incêndios ao ar livre.

Shan Raffel explana o seguinte:

O ambiente em um incêndio estrutural típico pode mudar repentinamente de o que aprece relativamente estável para um inferno com temperaturas acima de 1.000º C próximo ao teto e acima de 300º C ao nível do piso. Apesar de repentinas essas mudanças podem ser antecipadas se os indicadores forem reconhecidos. A menso que o bombeiro seja capaz de “ler” os sinais que o incêndio está enviando, ele pode tornar-se uma vítima ao invés de um socorrista. Desta feita é essencial que o bombeiro tenha um sólido entendimento dos fundamentos do comportamento do fogo. Isso só pode ser alcançado dando-se ao bombeiro a oportunidade de testemunhar o desenvolvimento do incêndio em um ambiente realista, seguro, controlado e previsível. O bombeiro pode, então, ver os resultados das diferentes técnicas de combate na dinâmica do ambiente. Isso leva à compreensão das implicações das ações não apenas no fogo, mas também em ocupantes presos, outros bombeiros e nos possíveis efeitos de expansão do fogo para as áreas vizinhas.

[...]

Para que os bombeiros possam atuar de modo completo e seguro nas situações e ambientes perigosos nos quais eles são comumente colocados, eles devem acostumar-se em treinamentos, em um ambiente seguro e menos estressante, às condições reais. Isso gera confiança e permite o reconhecimento das condições que podem ameaçar-lhes a vida.


Some-se a isso os dizeres de Ed Hartin:

Incêndios estruturais apresentam desafios dinâmicos e complexos. Bombeiros precisam proteger as vidas dos ocupantes da edificação bem como as suas próprias enquanto controlam o fogo e protegem as áreas não afetadas da estrutura e seu conteúdo. Essas condicionantes requerem que os bombeiros tenham um alto nível de alerta situacional e tomem decisões eficientes com limitadas informações disponíveis (Klein, 1999; Klein, Orasanu, Calderwood, & Zsambok, 1995).

Bombeiros aprendem seu trabalho por meio de um mix de aulas teóricas e treinamentos práticos. A maioria dos treinamentos é conduzido fora do contexto (por exemplo sem fumaça ou fogo) ou em uma simulação de ambiente de incêndio (usando fumaça atóxica, por exemplo). No entanto, isso isoladamente não prepara bombeiros para atuarem sob o calor e a fumaça que eles encontram em um incêndio real ou desenvolve habilidades cruciais na tomada de decisão. Desenvolver esse tipo de expertise requer treinamento sob condições reais de incêndio.

Assim, treinar bombeiros para combate a incêndio estrutural sem que eles encarem um incêndio em compartimento e vejam na prática o que se ensina na teoria acerca do comportamento e evolução do foco e da fumaça é equivalente a mandar soldados para o combate sem que tenham disparado um tiro.



Realismo e segurança

Se o realismo no treinamento é tão importante e só é atingido por treinamentos com fogo real, porque não fazê-lo?

Não é por falta de vontade que não tentamos reproduzir as condições de um incêndio em compartimento em nosso treinamentos. Se não o fizemos ainda, isso se deve a um senso de responsabilidade.

Além de não termos os simuladores apropriados, não temos (ainda) o know how necessário para conduzir um treinamento de incêndio em compartimento com fogo real de modo controlado e seguro.

Como gerar os fenômenos e reproduzir controladamente as condições de desenvolvimento de um incêndio em compartimento não é tarefa simples. É possível fazê-lo, mas é preciso treinamento adequado para aprender como treinar os bombeiros. É preciso dominar a capacidade de “leitura” do comportamento do fogo e as técnicas de operação dos simuladores de fogo real.

O treinamento com fogo real já está largamente experimentado por alguns profissionais como Paul Grimwood (Inglaterra), Ed Hartin (EUA), Shan Raffel (Austrália) e Pierre-Louis Lamballais (França e Bélgica), dentre outros. Os métodos e técnicas de construção dos simuladores, condução dos treinamentos e condições de segurança já foram amplamente testados e documentados.

Respondendo à pergunta acima, não adicionamos ainda o fogo real ao nosso treinamento, a despeito de sua importância, pelo fato de que não dispomos do know how necessário para tanto.

Se quisermos evoluir até eliminar a defasagem que separa nosso treinamento em incêndio do que há de mais avançado é esse know how que devemos buscar. É isso que devemos aprender a ensinar.




Referências:

Hartin, Ed. Why is Compartment Fire Behavior Training (CFBT) Important? Artigo extraído de http://www.cfbt-us.com/ .

Raffel, Shan. Compartment Fire Training in Australia. Artigo extraído de http://www.firetactics.com/ .